terça-feira, agosto 15, 2006

O Messianismo Judaico-Cristão

O MESSIANISMO JUDAICO-CRISTÃO

O termo “Messias” corresponde à helenização da palavra aramaica meshihá que significa “ungido” ( em grego cristos). A expressão aramaica deriva da raiz meshah, isto é, “ungir”. Deste modo, sucintamente, chegamos ao hebraico mashîª h, usado no Antigo Testamento para indicar o rei de Israel e o sacerdote. Ora, o cerimonial da unção realizava-se sobre alguns objectos sagrados – o tabernáculo, as pedras votivas, os altares - ,mas centrava-se, particularmente, numa representação pessoal tripartida. Falamos, naturalmente, dos sacerdotes, dos profetas (Elias, Eliseu) e dos reis ( Saul, David, Salomão, Jéu, Joás). Devemos, neste sentido, sublinhar a relevância das promessas e bênçãos na história de Israel. Estas constituem referências messiânicas na medida em que se reportam explicitamente à posse da terra e crescimento de Israel como povo. Nas figuras dos Patriarcas Abraão, Isaac e Jacob (entidades corporativas), a eleição divina concretiza-se na enunciação de que a salvação autenticamente universal terá a sua origem nos descendentes do primeiro Patriarca que recebeu do seu Deus a promessa. Esta referência a um algo que se realizará a posteriori encarna a relação ontológica entre este Deus nómada, que afirma a sua essencialidade num sendo, e o povo que acompanha o seu Deus até à terra prometida (levantando a questão polémica da edificação do Templo, ou, se quisermos, sedentarização do Deus de Israel. Esta promessa , que é narrada em Gn 12-50, apresenta-nos uma época em que o povo de Israel ainda não existia como hodiernamente o conhecemos. Somente com Josué, no “pacto de Siquém”, é que este povo se afirmou nos primórdios da historicidade. Por isso, a história dos Patriarcas deve ser entendida na mediação hermenêutica integrante de muitas tradições antigas e recentes (Jos 24). Daí, a necessidade de aplicar a esta narrativa histórico-salvífica, os critérios delimitadores de uma história religiosa e de uma história de eleição.

A Bíblia narra uma história teológica e, neste contexto, devemos intentar os seguintes princípios orientadores da narrativa: por um lado a historiografia de raiz javista e eloísta, insiste na figura de Abraão como centro da salvação do seu povo; por outro lado, a historiografia do “deuteronomista” insiste mais na figura de Moisés que renovou a eleição do povo e prolongou o “javismo” com a afirmação do “pacto do Sinai”; por último, de referir a historiografia do “cronista” (livros das Crónicas, Esdras e Neemias) que referencia a figura carismática de David, chefe da dinastia que conduz a Cristo. Aliás, numa primeira abordagem genealógica, o evangelho de Mateus, relata-nos a origem de Jesus o Cristo , “filho de David” (ascendência real). Pelo que, Jesus , na visão de Mateus , se apresenta como o natural sucessor da linhagem davídica, bem como o principal depositário das promessas messiânicas do Antigo Testamento. Genericamente, a estrutura monárquica no antigo Próximo Oriente encontrava-se alicerçada na vida religiosa e, é possível, vislumbrar uma espécie de “ideologia” do rei, característica dos povos do chamado “Crescente Fértil”.

Portanto, a nossa abordagem insistirá na relevância da investidura do poder divino na pessoa do rei ungido que encarna, na sua pessoa, a natureza e condição de realeza do povo eleito.

A exigência do preceito monárquico não constitui tema pacífico na sociedade israelita. Encontramos, no 1º livro de Samuel, aspectos adversos à instituição real (1 Sam 8; 10, 17-24), defendendo a perspectiva de comando através de chefes carismáticos e, em 1 Sam 9, 1-10.16; 11, podemos observar a posição daqueles que preferem ver Israel governada por um rei. Em todo o caso, apenas com o estabelecimento da monarquia, a ideia messiânica assumiria a suprema condição política do reino israelita e o próprio rei David, com a sua dinastia, transformar-se-á no elemento nuclear do messianismo. Para a Bíblia, David é o autêntico fundador da monarquia em Israel. É David que conquista a cidade de Jerusalém, até então habitada pelos jebuseus 2 Sam 5,5-11 estabelecendo aí a sua capital, no “Ofel” (Monte Sião) e preocupa-se, a partir de então em atribuir à cidade a suprema importância quer pessoal, quer política ou religiosa. Aspectos, ademais, reforçados pela trasladação da Arca da Aliança. Consequentemente, David personifica o modelo de messianidade , luz do mundo, já que é a encarnação do arrependimento, pela via da graça e, no final dos tempos (Juízo Final) ou o dia de José, seguir-se-á o dia de David que representa a ressurreição dos mortos. Por isso, David emerge como o grande condutor portador da missão incondicionada de restaurar Israel, luz do universo.

Este messianismo real emergente parte da concepção que o mundo antigo tinha do rei e da realeza. O rei, enquanto pessoa representativa, era a encarnação visível do seu povo, através do qual o povo agia como unidade política. A condição de realeza e de pontificado encontrariam aqui a sua origem. Encontramos uma abordagem desta trajectória em René Guénon. Particularmente, no seu deslumbrante texto, “Le Roi du Monde”. O que há a ressalvar é a perfeita consonância entre o princípio espiritual que se manifesta no mundo terrestre, por mediação consagrada. Ou seja, a condição pontifical constitui requisito apropriado à excelência do chefe hierárquico-iniciático. Consequentemente, o messianismo do rei não se distingue da condição messiânica de Israel como povo. Tal é o caso da benção de Judá (Gn 49,8-12), escrita, no período primitivo, da monarquia, talvez no tempo de David. Efectivamente, segundo este critério tradicional, à tribo de Judá é feita a promessa do reino eterno. Isto é, apresenta-nos esta configuração tradicional, a figura do rei como portadora de funções salvíficas – o rei é um instrumento que desencadeia prosperidade e fomenta a esperança no futuro. Igualmente, se acedermos ao oráculo de Natã encontramos esta profecia (2Sm 7,5-16; 1Cr 17,4-14; Sl 89,20-38), referenciada nos seguintes termos: oráculo promete a David uma dinastia eterna, pelo que este é objecto de uma aliança peculiar. Contudo, a significação do rito deve ser interpretada no âmbito da comunicação de uma espécie de consagração, por intermédio da qual se instituiria uma participação na santidade e a inviolabilidade do próprio Iahweh. Assim, é estritamente proibido “levantar a mão” contra o “ungido de Iahweh”, pois este representa Iahweh, como “nagid” ( chefe da herança do Deus nacional). Entramos a mesma harmonia metafísico-transcendental na relação gnósico-representativa entre a Igreja (a reunião, pólo feminino, sob a simbolização Jungiana da Lua) e Cristo Salvador (pólo patriarcal , logo masculino, sob o símbolo do Sol).

Ao reclamarmos a nossa análise a partir de uma hermenêutica eminentemente escatológica, compreendemos os elementos espirituais da unção e determinamos a figura do Messias como uma realidade que contém a ideia expressa dum rei-sacerdote que aparecerá no fim da história. Facto alicerçado nas descrições místicas do Talmud e do Midrash que descrevem serem sete as coisas criadas antes do mundo ter sido criado: a Tora, o Arrependimento, o Jardim do Eden, a Gehenna, o Trono de Glória e o Nome do Messias (Pesahim,54 a). Não obstante, o termo “Messias”, muito raramente, é utilizado para identificar o Salvador futuro no Antigo Testamento. Encontramos na “Profecia de Isaías” a descrição premonitória das promessas a Jerusalém e no futuro Messias, “Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado, que tem a soberania sobre os seus ombros, o qual se chamará Conselheiro admirável , Deus forte” (Is 9, 5-7).

A partir do século I ª c. o termo passa a adquirir o sentido messiânico. Efectivamente, no Novo Testamento, Jesus cristÓs ”o ungido” expressa esse messiânico sentido. Globalmente, o messianismo abrange os ideais que personificam o Israel do futuro, correspondente ao reino universal de Iahweh. Não perspectiva, de um modo objectivo, uma visão estritamente escatológica, que entende o fim da história como o resultado da intervenção transcendental do desígnio sagrado de Iahweh, se bem o messianismo, por si só, constitua uma realidade estrutural escatológica, mas não apocalíptica – muito embora, algumas formas de messianismo contenham elementos apocalípticos. Por exemplo, na literatura judaica tradicional, o advento da era messiânica, anunciado por um regresso do profeta Elias (de acordo com a promessa de Ml 3, 23), é associado a cataclismos, guerras de Gog e de Magog (Ez 38-39).

Numa abordagem histórica, o messianismo israelita apresenta dois períodos distintos: O primeiro compreende os textos messiânicos que se circunscrevem na região metafísica da redenção. O segundo período prende-se directamente com a acção consagrada dos grandes profetas que contribuíram para o esboço e fixação da imagem arquétipa clássica do Messias. Não devemos, porém, esquecer que várias teorias já foram lavradas, no sentido de atribuir as origens do messianismo hebraico às culturas e religiões não-israelitas. Tais concepções podem ser comparadas às que associam o messianismo com o papel do rei no culto mesopotâmico e com a visão dualista na religião persa. Efectivamente, o dualismo persa apresenta-nos uma luta entre o deus da luz, Ahura Mazda, e o deus da escuridão, Ahriman ou Angra Mainyu, luta que terminará com a vitória da luz. Esta luta entre a luz e as trevas ilustrativa do intento escatológico-maniqueísta da gnose que se revela ao iniciado, e a só ele, reveste-se duma estruturação missionária que é investida por intermédio de uma metalinguagem, já que o conhecimento fundamental é transmitido por via do contacto, como que por uma imersão, processo, indubitavelmente, alheio a qualquer tipo de apropriação lógico-formal do mundo. O ambiente dramático decorre da apropriação das religiões mesopotâmicas orientais e de algumas heresias cristãs de uma visão cíclica da história que se orienta para a necessidade de previr o perigo resultante da eminência do malogro. O drama começa quando a escuridão ameaça o reino da luz. Ora, a luz é um dos símbolos religiosos primordiais da humanidade que, na diversidade das suas manifestações (fogo, relâmpago, sol, lua), emana, “irradia” o poder cósmico da criação e, a primeira coisa que Deus diz é: “Faça-se luz!” (Gn 1,3). Podemos, igualmente estabelecer o paralelo esotérico entre o deserto – reino do sol – e o domínio das experiências espirituais e místicas dos Patriarcas e anacoretas. Mas, o messianismo hebraico emerge da concepção bíblica linear da história como processo dirigido para um termo final: o reino de Iahweh. Concepção, curiosamente, desenvolvida a partir de Gn 3, 15. Esta passagem reflecte a encruzilhada da natureza e condição humanas. Não encontramos nela, objectivamente, sinais de uma esperança messiânica, mas, muito pelo contrário, podemos intuir, claramente, uma maldição que envolve a humanidade pecadora, prescrevendo-lhe uma eterna inimizade entre o homem e a serpente, entre o bem e o mal.

A espera do Messias constitui um dos aspectos mais determinantes em todas as ideias religiosas judaicas, mas afere igual importância no sistema religioso cristão. O Messias é visto como um ser eterno que precedeu a criação e que, por outro lado, não se revelará antes do fim dos tempos. (P.135)Hist. Mística judia. E. Müller.

São muitos os aspectos místicos que podemos encontrar na Bíblia. Segundo os Cabalistas, para além, do seu sentido literal, o iniciado pode alcançar uma mais íntima comunhão com Deus. Se a nossa intenção investigacional se estender à recolha de textos mais tradicionais. Ou seja, intimamente associados à vertente tradicional ou massorética que acolhe a responsabilidade de seccionar as Escrituras hebraicas pela Tora – contém o Pentateuco; os Nebiim – contêm os textos de natureza profética, bem como os mais ancestrais – os livros, historicamente mais antigos, Josué, Juizes, Samuel e Reis; e, por último, os textos Hagiográficos, de natureza sagrada.

Quanto nos reportamos á evidência das principais obras da literatura cabalística, podemos concentrar a nossa atenção em duas: o “Zohar”, escrito em aramaico, e o livro “Bahir”, escrito em hebraico – obra mais concisa e, estruturalmente, dialéctica.. Encontramos nas duas, aspectos comuns. Ambos os títulos são evocativos da importância de uma metafísica que se fundamenta na visão. Traduzem, igualmente, o peso da tradição mística , bem como, o profundo legado experiencial da cabala. Sendo o Zohar fruto do encontro das duas correntes místicas da cabala : a cabala de Gerona e a cabala gnóstica de Castela. Enquanto obra maior da mística judaica, na sua mais profunda tradição, o Zohar acumulou, com a mesma qualificação de prestígio, apenas comparável ao do Talmude e, naturalmente, da Bíblia. Compreendemos o corpus zohário como uma densa compilação de cinco volumes nas edições impressas. Os três primeiros agregam o Sefer ha-Zohar al ha-Tora (livro do Esplendor sobre o Pentateuco), a estes somam os Tikunei ha-Zohar (complementos ao Zohar).

Passaremos à análise do messianismo cristão a partir da vertente milenarista. Abordaremos as componentes do milenarismo cristão a partir do testemunho das antigas promessas do Antigo Testamento e, seu posterior, desenvolvimento.

O milenarismo pode ser definido como a crença num reinado terrestre de Cristo – com os seus eleitos – que, na condição de reino futuro, terá a duração de mil anos. A interpretação deste milénio deve circunscrever-se a uma leitura simbólica. O milénio deve ser entendido na mediação intercalada entre o tempo da historicidade e a descida da “Jerusalém celeste”.

São muitos, os textos do Antigo Testamento que anunciam ao povo eleito, quando sitiado pelo perigo da perseguição ou da humilhação, um devir cheio de felicidade. Em Isaías, nos versículos 2 a 27, Isaías repreende a falsa devoção de Judá e , simultaneamente, enuncia o que mais agrada ao Senhor. Particularmente, a justiça e a misericórdia para com o próximo. De imediato, o profeta faz ver que ao pecado deve seguir o castigo, mas a este se seguirá a restauração messiânica. O profeta vê as maravilhas que Deus irá operar no coração dos homens. O Todo-Poderoso pela mediação do último remanescente, o seu desprezado Servidor que carregando o pecado do Mundo, o espiará pelo seu sacrifício (Is 53, 4-12). O sangue do Cordeiro resgatará Jerusalém. Efectivamente, a Nova Jerusalém reconciliará as nações, será a luz do mundo, “As nações caminharão para a tua luz, e os reis, para o resplendor da tua aurora. Levanta ao olhos e vê à tua volta: Todos se reúnem para vir para ti” (Is 60, 3-4).

O mesmo acontece em Oseías, “Promessa de Salvação”, “Serei para Israel como o orvalho: Florescerá como um lírio”, (Os 14, 5-8).

A literatura milenarista cristã busca as suas raízes nas profecias bíblicas velho-testamentárias que de um modo ou outro vislumbram no horizonte a glória do Senhor., bem como a completa regeneração de Israel, luz do universo, pano de fundo de uma felicidade terrena extensiva a todas as nações. Tal a visão de Ezequiel, que sonhou com a cidade futura, com a reconstrução da cidade de Deus (Ez 40)

Em todo ocaso, a crença renovada no reino messiânico, derivou do judaísmo para o cristianismo e fixou em mil anos a duração deste mesmo reinado. Encontramos uma referenciação mais precisa a este pormenor no Apocalipse de S. João (Ap 20).