domingo, janeiro 08, 2006

Ave, Caesar, morituri te salutant

Um texto interessantissimo que li de um Paulo Geraldo, espero que ele me perdoe a ousadia de colocar aqui o seu texto.


Morituri

Esta palavra latina significa, na nossa língua, "aqueles que vão morrer". Na antiga Roma, os gladiadores davam a si mesmos esse nome quando, na arena, dispostos a enfrentar a morte, cumprimentavam o imperador: "Ave, Caesar, morituri te salutant" (Avé, César, os que vão morrer saúdam-te).Mas "morituri" é também o nosso nome. Estamos vivos e, portanto, somos aqueles que vão morrer.Vamos morrer. Hoje mesmo ou daqui a algum tempo, com mais ou menos dor, com ou sem sangue.
As estatísticas dizem que morrem no mundo, por minuto, muitas dezenas de pessoas...
Existe uma lei inexorável à qual nenhum de nós poderá escapar.
Devíamos pensar na morte. Analisá-la. Medi-la. Não como quem mede um inimigo, para ver se é possível derrotá-lo, mas como quem olha para dentro de si mesmo com o objectivo de se conhecer.

De todos os seres vivos, só o homem possui o conhecimento certo de que vai morrer.
Esse conhecimento - manifestação da grandeza do homem - é luminoso e útil: permite-nos saber o que somos e o que são realmente todas as coisas; permite-nos tirar conclusões sobre o sentido da nossa existência - temporária, passageira - neste planeta que deambula num universo imenso.Há muitas coisas que adquirem uma importância e uma cor diferentes no momento em que um médico nos vem dizer que temos apenas umas poucas semanas de vida.
Que nos importa então se o nosso clube ganhou ou perdeu, se o jantar é carne ou peixe, se visto esta camisola ou aquela, se certa pessoa disse aquilo de mim?
... Visto à luz da morte, tudo isso adquire a sua verdadeira envergadura.
E entendemos, então, o que é importante e o que não o é tanto. Ilumina-se o nosso olhar. E isso é útil para nós.
Tira-nos de certos enganos a que somos extremamente atreitos.
Temos visto frequentemente como tantas pessoas orientaram a sua vida de acordo com as conclusões que tiraram de pensar na morte. Uns, considerando-a como final absoluto da existência, dedicaram os seus dias a satisfazer ao máximo os apetites, a obter o máximo possível de prazer... antes de que tudo acabasse. Outros consideraram que era possível viver eternamente - viver depois disto - e impuseram a si mesmos uma forma de vida com regras bem diferentes das dos outros, de forma a possuírem a esperança.

Trocando o conhecido pelo desconhecido, o imediato pelo distante, o pequeno pelo grande.
Mas nós... temos medo. Custa-nos pensar na morte. Gostamos de viver - porque a vida é uma coisa fantástica - e nem queremos pensar em pensar que ela possa terminar.
Adiamos uma análise e uma luz e uma orientação que de todo nos são necessárias.Temos muito tempo... E apressamo-nos a pensar noutra coisa quando a morte toca em alguém que estava perto de nós. E procuramos distracções, para fugirmos a uma reflexão que a nossa própria natureza nos exige. E ocupamo-nos em futilidades. Temos muito tempo...
Mas o tempo é qualquer coisa que se corta num golpe súbito de tesoura, quase sempre sem aviso. Três semanas, três anos, trinta anos... O tempo é apenas tempo.

É água que escorre entre os dedos das mãos. A verdade é que não temos muito tempo.

Enquanto cometemos a tolice de ir vivendo como se fôssemos viver... sempre, a nossa vida está às escuras, à espera de um acto de coragem que lhe dê cor e sentido.