domingo, agosto 20, 2006

Corporalidade e personalidade

Corporalidade e personalidade

O homem é uma estrutura de corporalidade e espiritualidade. O espiritual tem uma expressão também corporal. Diversos aspectos da alma exprimem-se em diversos aspectos do corpo. Vemos com os olhos, ouvimos com os ouvidos, falamos com a boca, exprimimos a nossa alegria ou tristeza com a cara, os gestos, a voz. Dançamos, gritamos ou saltamos, rimos e choramos. E tudo isto são expressões corporais de situações do nosso espírito. Como diz o ditado, "a cara é o espelho da alma".

Do mesmo modo, a sexualidade, para além da sua função generativa, é, na sua dimensão mais elevada, expressão corporal da nossa capacidade de amar, de entregar-nos a outra pessoa e receber a sua entrega. A liberdade e a capacidade de amar são o maior e o mais íntimo que tem a pessoa humana. Por isso a sexualidade, na medida em que é a sua expressão corporal, afecta o homem de maneira íntima e profunda, tanto para o bem como para o mal.

O carácter pessoal do corpo

O corpo é uma parte da personalidade humana. Como vimos, somos pessoas de carne e osso e para nos expressarmos e realizarmos necessitamos do nosso corpo. Fazemos tudo através dele. Para que essa expressão e realização saia bem temos de treinar o corpo. Há que aprender a dançar, a escrever, a andar, a falar, a pintar, a praticar qualquer desporto, a cantar e inclusive a comer. Se não, essas actividades fazem-se mal, duma forma tosca, sem graça, como pessoas incultas ou como animais. Para todo o tipo de expressão é necessário ter um corpo bem treinado. Esse treino é o modo de "personalizar" o corpo, para que não seja simplesmente carne e osso, mas expressão do meu eu, dos meus gostos, da minha pessoa. Através do treino e da educação, o corpo integra-se na nossa personalidade e permite-nos desenvolvê-la. O treino faz que a unidade de alma e corpo seja algo operativo, prático.

Se não há treino, ainda que a pessoa queira expressar-se e realizar-se, não poderá, sentirá a frustração de não poder comunicar o que tem dentro, de não poder realizar os seus sonhos. Em lugar de cantar, sairão uns uivos próprios de animais; em lugar de dançar, uns movimentos desajeitados e ridículos; em lugar de saber exprimir-se, falará como um inculto e não poderá transmitir o que sente; em lugar de comer com dignidade, parecerá um animal que satisfaz os seus instintos e provocará repugnância. Isto é uma coisa que todos sabemos.

Ora bem, o mesmo se passa com a nossa sexualidade. É a expressão corporal da nossa capacidade de amar e de nos entregarmos por inteiro, mas se não a educarmos, em lugar de servir para expressar e realizar o amor, arrastar-nos-á a comportar-nos como animais, como se passa com quem não sabe falar ou não sabe comer. Que a sexualidade seja expressão de amor é algo exclusivo e típico do homem. E, como tudo o que é tipicamente humano, é algo que está por realizar, algo que há que conseguir com base no exercício da própria liberdade.


A expressão corporal do amor

Se o corpo é a expressão da alma, o amor expressa-se também através do corpo. As expressões corporais de carinho têm sentido quando há um verdadeiro amor entre as pessoas. Não basta a atracção física ou o simples enamoramento afectivo, deve haver pelo menos um começo de amor conjugal. Então é verdade que essas carícias são expressão de amor.

Se não, do que são expressão é da fome de prazer ou de afecto. E o outro não vive como uma pessoa a quem me entrego, mas como um objecto que satisfaz o meu apetite sexual, do mesmo modo que um caramelo satisfaz o gosto. Quando se usa outra pessoa desta maneira, não a amamos, nem sequer a respeitamos, porque se utiliza a sua intimidade.

A utilização sexual rebaixa irremediavelmente a pessoa, precisamente porque não pode deixar de afectar a sua mais profunda intimidade. Uma vez que o sexo é expressão da nossa capacidade de amar, toda a utilização sexual chega ao mais íntimo e implica a totalidade da pessoa espiritual. O próprio facto de usá-la como objecto já é uma falta de respeito para com a sua pessoa, do mesmo modo que se se usasse o seu corpo para proteger-me dos disparos que outro me pudesse fazer. Isso vai contra a sua dignidade. A experiência indica depois quando algo é expressão de carinho ou simples fome de prazer. Se é simples fome de prazer, é mau, porque estou usando, não amando.