domingo, janeiro 08, 2006

Camoes o poeta

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueça daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te
quão cedo de meus olhos te levou.

(Luís de Camões)

Alea jact est - A sorte está lançada

Lança a tua luva aos pés do Desespero, e verás que não aceita o desafio.
Sê - conforme a seiva que tiveres - e vencerás.

Levanta-te das pedras que te feriram e deixa que o teu sangue as envergonhe.

Não troques nunca o teu sorriso pelas lágrimas, se o anelo do fácil te segredar:
"Basta!" Constrói-te com paciência até aos cumes, e não invejes a gente da planície.
Não hesites nunca na Amizade pura, pois tu és o guardador de teu Irmão.

Ama - em Branco, em Grande e em Bom - e terás asas. Desprende-te de quem te retiver por prisioneiro, mas não recuses a mão ao afogado.

Compromete-te para sempre com a Esperança, e ela te dirá que és um Menino.

Encara a vida de frente e com ternura. Entende, longe e quente, meretrizes, banqueiros, calafates e ministros..., e todos buscarão o teu segredo.

E se a quadriga moça do teu corpo freme - porque és Homem, porque és de barro, e porque és fraco - puxa as rédeas, meu valente, até à espuma, mas não te esqueças de que é pela Via-láctea que tu corres.

Ave, Caesar, morituri te salutant

Um texto interessantissimo que li de um Paulo Geraldo, espero que ele me perdoe a ousadia de colocar aqui o seu texto.


Morituri

Esta palavra latina significa, na nossa língua, "aqueles que vão morrer". Na antiga Roma, os gladiadores davam a si mesmos esse nome quando, na arena, dispostos a enfrentar a morte, cumprimentavam o imperador: "Ave, Caesar, morituri te salutant" (Avé, César, os que vão morrer saúdam-te).Mas "morituri" é também o nosso nome. Estamos vivos e, portanto, somos aqueles que vão morrer.Vamos morrer. Hoje mesmo ou daqui a algum tempo, com mais ou menos dor, com ou sem sangue.
As estatísticas dizem que morrem no mundo, por minuto, muitas dezenas de pessoas...
Existe uma lei inexorável à qual nenhum de nós poderá escapar.
Devíamos pensar na morte. Analisá-la. Medi-la. Não como quem mede um inimigo, para ver se é possível derrotá-lo, mas como quem olha para dentro de si mesmo com o objectivo de se conhecer.

De todos os seres vivos, só o homem possui o conhecimento certo de que vai morrer.
Esse conhecimento - manifestação da grandeza do homem - é luminoso e útil: permite-nos saber o que somos e o que são realmente todas as coisas; permite-nos tirar conclusões sobre o sentido da nossa existência - temporária, passageira - neste planeta que deambula num universo imenso.Há muitas coisas que adquirem uma importância e uma cor diferentes no momento em que um médico nos vem dizer que temos apenas umas poucas semanas de vida.
Que nos importa então se o nosso clube ganhou ou perdeu, se o jantar é carne ou peixe, se visto esta camisola ou aquela, se certa pessoa disse aquilo de mim?
... Visto à luz da morte, tudo isso adquire a sua verdadeira envergadura.
E entendemos, então, o que é importante e o que não o é tanto. Ilumina-se o nosso olhar. E isso é útil para nós.
Tira-nos de certos enganos a que somos extremamente atreitos.
Temos visto frequentemente como tantas pessoas orientaram a sua vida de acordo com as conclusões que tiraram de pensar na morte. Uns, considerando-a como final absoluto da existência, dedicaram os seus dias a satisfazer ao máximo os apetites, a obter o máximo possível de prazer... antes de que tudo acabasse. Outros consideraram que era possível viver eternamente - viver depois disto - e impuseram a si mesmos uma forma de vida com regras bem diferentes das dos outros, de forma a possuírem a esperança.

Trocando o conhecido pelo desconhecido, o imediato pelo distante, o pequeno pelo grande.
Mas nós... temos medo. Custa-nos pensar na morte. Gostamos de viver - porque a vida é uma coisa fantástica - e nem queremos pensar em pensar que ela possa terminar.
Adiamos uma análise e uma luz e uma orientação que de todo nos são necessárias.Temos muito tempo... E apressamo-nos a pensar noutra coisa quando a morte toca em alguém que estava perto de nós. E procuramos distracções, para fugirmos a uma reflexão que a nossa própria natureza nos exige. E ocupamo-nos em futilidades. Temos muito tempo...
Mas o tempo é qualquer coisa que se corta num golpe súbito de tesoura, quase sempre sem aviso. Três semanas, três anos, trinta anos... O tempo é apenas tempo.

É água que escorre entre os dedos das mãos. A verdade é que não temos muito tempo.

Enquanto cometemos a tolice de ir vivendo como se fôssemos viver... sempre, a nossa vida está às escuras, à espera de um acto de coragem que lhe dê cor e sentido.