domingo, agosto 20, 2006

Ciganos e Les-Saintes-Maries

TODOS OS ANOS, NO DIA 24 DE MAIO, cerca de 10 mil ciganos vindos de toda a Europa convergem para Les-Saintes-Maries-de-la-Mer, uma vila de 2.500 habitantes que se estende pelas duas margens do delta do Ródano. Trá-los aqui festa da sua santa padroeira, a Negra Sara. Santa Sara não é de todo uma santa ver-dadeira: mas condiz bem com este povo de eternos marginais, que até um intruso têm como santo patrono.

Estes ciganos são católicos romanos que abraçaram a lenda da Negra Sara, serva de Maria Jacob e Maria Salomé, tias de Jesus. Após a Crucificação, foram expulsas pelos romanos enfurecidos para o mar, num barco sem remos, e vieram dar à costa aqui, na Camarga, região francesa de criadores de gado. A imagem de madeira negra de Santa Sara, resplandecente na sua tiara de ouro e vestido de renda cor-de-rosa, guarnecido de lantejou-las, está guardada numa cripta abobadada sob a igreja da vila. (Não se tratando de uma verdadeira santa, a efígie não pode ser exibida no solo consagrado da capela, em cima.) Lá dentro, o calor é intenso, devido às chamas de um milhar de velas votivas. Os peregrinos ciganos passam a mão pelo rosto da santa, já gasto do contacto de tantos dedos, alguns deixando os sapatos em oferenda, a seus pés. Notas de agradecimento, fotografias e ofertas enchem por completo a caixa das esmolas, e as paredes estão literalmente cobertas com placas em testemunho de gratidão: pelo nascimento de um bebé, pela recuperação de uma mãe.

Embora ainda faltem alguns dias para a cerimónia – o banho ritual da estátua nas águas do Mediterrâneo –, já estão estacionadas nos acampamentos municipais 1.600 caravanas de ciganos. Na maior parte, são casas sobre rodas, com antenas parabólicas aparafusadas ao revestimento de alumínio. E os ciganos que nelas vivem vestem "T-shirts" e sapatos Nike e tagarelam, sem parar, ao telemóvel.

Mas os moradores de Les-Saintes-Maries não são anfitriões entusiásticos: alguns comerciantes foram embora e deixaram as lojas entaipadas. De Montpellier foi chamado um corpo especial de 200 elementos da polícia anti-motim e um helicóptero. O presidente da câmara convocou uma conferência de imprensa para recordar o caos provocado pelas anteriores peregrinações ciganas (às quais acorrem outros tantos turistas não-ciganos): montanhas de lixo dispersas pelo chão, roubos, embriaguez e danos materiais.

extracto de artigo da National Geography Magazine