domingo, agosto 20, 2006

O Conhecimento do Inferno


"É o mundo-inferno dos loucos e da sua angústia sem remédio. Desliza aqui à nossa frente, submerso e apático, entre a noite das noites e a cruel indiferença dos vivos.

Como uma visão alucinada, um grito transparente de amargura ou, tão-só, uma voz calada na escuridão, os corredores de um hospital psiquiátrico de Lisboa ecoam para dentro deste romance toda a revelação das sua próprias paredes:

é o bolor e a humidade à face da pedra, mas não só isso;

entra profundamente no osso e na carne das mudas e isones criaturas que por lá se arrastam, sem mundo nem dia, isto é, sem direitos nem esperanças.

Entrando em relação com a velha solidariedade dos homens, o autor rompe todos os cordéis da solidão desses loucos.

Assume a sua voz ausente. Volta-se de frente para quantos policiam o tráfego das aves sem rosto.

É a crítica viva e urgente de uma certa prática psiquiátrica, tão obsoleta quanto desumanizante;

é a grande coragem de uma acusação, em forma de quase libelo, contra os demónios brancos cuja pele é também a dos anjos negros deste Inferno sem fogo. O seu Conhecimento consiste em desocultá-lo, em denunciar os seus ritos e decalques.

Conhecimento do Inferno, no quadro da produção romancística de António Lobo Antunes finda o ciclo da mesma viagem até ao fundo dos fundos. (...) Fim de uma trilogia romanesca, conserva ainda a equidistância dos espaços e da acção daqueles dois livros [ Memória de Elefante e Cus de Judas ], mas vai desta vez mais fundo no seu sentido polémico, contestando as coisas e o nome que têm as coisas.

São aliás dois infernos perante o mesmo espelho, como uma equação matemática porque a guerra de África aconteceu nas mãos sangrentas destes mesmos homens. Há a mesma prisão e o mesmo sonho acordado pelo medo; mas, ainda e sempre, as mãos da guerra fazem a autópsia dos vivos.

Carloki

Uma ideia fixa parece sempre uma grande ideia, não por ser grande, mas porque enche todo o cérebro.
(J. Benavente)